Você ri
Alguém que nunca ouviu uma risada
e ouve a Sua
pode deduzir –
É assim que sonham as ratazanas
ou que um gato toca escaleta
Alguém que no meio interestelar
ouve Glenn Gould tocando
Prelúdio e Fuga em Dó Maior
Pela primeira vez sabe o que são mãos
E para que servem
Mesmo que seja uma Sardinha
Uma Sardinha não tem mãos e não entende
O conceito de mãos,
se você conta
o tempo em dedos
que faltam, eu me chamo Bach e vou morrer recém-nascido,
Você que Não tem mãos e é uma Sardinha viveu uma era geológica
Veja
Você deixa um rastro prateado que não tem duração / eu deixo um Cravo]
Bem Temperado
Você ri, Sua risada tem o hábito estranho de
Estar no presente não importa quando; nisso
tem muito de Sardinha
Cem dentes atrás, Sua risada soa
ao apito de uma fábrica de panelas de arroz
Japonesas, hoje
Eu que já ouvi risadas
Não deixo de pensar num gato tocando escaleta
Ninguém deduz Mãos quando pensa
Num gato tocando escaleta
No máximo Patinhas.
​
•
antes tinha dúvidas se Sua risada é um fole
de forja ou uma sanfona disfuncional
então trocaram a sua dentadura por
uma mais reluzente – e você detestou e disse
se for pra cair é melhor ir caindo
sem arte
e lançou pelos ares pela primeira vez
um cometa nos céus de Hamsterdão
frouxa mas não vazia
conforme vai adiante e atrás
Sua risada
é Tao.
​
​
•
​
duas mãos
são suficientes para uma série de coisas
você pode fazer algo e dar o nome de Nado
Sincronizado apenas usando uma e outra
aquela tuba que você tanto gosta um
entalhe e descamar Garoupas – você pode fazer
com uma e pode ser algo maravilhoso
mas tente com duas não
necessariamente pegadas a um mesmo torso –
uma Lira toca-se com as duas mãos e uma
Lira tosca num bolo tosco feita com maçapão
você pode tocá-la também – e se fizer isso
vai ser uma Bagunça, então faça com as duas de uma vez
quase nada de importante requer uma mão
mais uma mão, que dirá duas
uma mão desajeitada é infame, duas
é uma Comédia e três, não tente com três
Você não tem mãos (não mais) então eu faço um
Joinha com a esquerda e respondo com outro
Joinha com a direita – ou um sinal qualquer
que queira dizer que está tudo bem por aqui.
•
Poxa, garota zumbi
Não tem um dia
Que eu não olhe para as mãos pretas do borracheiro
E não pense em como você acordava à noite
Fingindo-se de viva – Explico:
Suas mãos também pareciam querer
Encher de ar todos os pneus que viam
Pela frente naquelas noites em que você
Acordava
Balbuciando coisas que dizem os vivos
– ninguém diz essas coisas sem sujar as mãos
Ninguém, você dizia e movia as mãos como
Marcel Marceau no Municipal em 97
Então pela manhã depois de um café
Você tinha um temperamento terrível
Antes de tomar um café quente às
Vezes era uma questão de um braço
A mais ou a menos – quantos braços
Você não me arrancou garota zumbi
Naquelas manhãs com a ressaca de
De repente ter fôlego e mãos
​
E saber o que fazer com elas? ∎
​
​
​