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eclética, plural e poética

'Paz' e outros poemas 

Ana Costa​

 

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Repele-me o sono pesado,

Pelo que rumino, eléctrica;

Rastejo, a passo emprestado,

Em pantanal sem apologética

 

Surpreende-me o primeiro ser

Que me cumprimenta, cortês

"Sabes o que é morrer?"

Pergunta, de doentia altivez

 

Despede-se magoado

Com a minha indiferença,

Esperando um mundo curvado

Perante a sua doença

 

Logo surge outro fantasma

Na presença do qual sorrio;

Cedo ele se pasma

Com o meu rápido desafio

 

"Mostra-me um valor

Da verdade que te envia,

Que cale o meu clamor

Pela morte do novo dia"

 

Como resposta se despacha

A trazer-me ídolo belo

Cuja boca na minha encaixa

Em beijo doce e singelo

 

Nisto acordo duvidando

se dormi ou queimei

tal paraíso, desejando

ignorar o que agora sei:

 

que o céu é um beijo

dado com calmo fervor;

por muito mais que almejo,

é de trevas o novo alvor.

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///

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​

Gosto de tudo o que tenha noite no nome

a barba fria dos homens

o couro que fica no temperamento

semi-sangues com noite no nome e no mexer

paganismo de efemeridades ébrias de ar.

 

Tudo o que tem noite no nome

me transmite o abandono voluntário

Epicuro que sentimos aquando bebés

nós que nunca encontramos

dentro do eu que cada quotidiano afasta.

 

Chamo sempre a noite

nomes que a têm entre eles

mexem como quem já bebeu com ela

vestem como se ela lhes fosse alfaiate

barba de três dias como se ela lhes pedisse para deixá-la crescer.]

​

​

///

​

 

Paz

 

(PARA O MÁRIO VIEGAS E HEDY LAMARR)

​

Sê grato às pedras que te batem

directas nos dedos de pés em sandálias,

como às que, mesmo duras,

se tornam cama quando não há mais tecto

 

Sê positivo, obriga-te a ti próprio à luz;

num mundo ao qual nada deves,

acorda sabendo que ele também nada te saldará, nem precisa.]

Olha, muito simplesmente

fala com pessoas e sorri

 

Admite os erros, abraça-os,

não deixes que eles te sejam eterna ementa;

responsabiliza-te pelo que fazes

e dizes, mas não te deixes boiar nesse prato

(perdoa-te, perdoa)

 

Esquece os refrigerantes e aprende a comer

vais perder quilos no espírito;

nem todas as drogas são o demónio!

Conhece o teu limite no que usas,

conhece o teu corpo, abre a tua mente

 

Sabe que não tens de viver para o trabalho,

que o melhor ar a tomar é fora dele,

quando és o que todos são naturalmente:

amor, família, livros, teatro, cinema,

a fotografia de humanos, o museu do toque

 

Confia na Ciência, raciocina

o todo que te apresentam -

a emoção é para o orgânico, não para factos;

mede bem a altura de parar de ser máquina

 

Acima de tudo, ama, esquecendo o próprio verbo,

obliviando o terreno e o Logos,

tecendo actos e experiências sem necessidade de sólido;]

agora é cedo o suficiente, meio-dia paz.

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​

Não é a chuva que turva a beleza perdida

É o teu beijo que se amarra às gotas

Não é o gelo unívoco e coerente

É a mão morna que larga as palavras

Não é a frase secreta no negro das ruas

É o corpo suplicando por menos silêncio

E é tão noite que penso ter-me desvanecido com as águas.] âˆŽ 

​

​

Edição: Antonio Kerstenetzky, Luiz Eduardo Freitas

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Foto Ana Costa.jpeg

Nascida no Porto, Ana Costa licenciou-se em Ciência da Informação, na Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Escreveu anteriormente os livros de poesia Misantropia esclarecida (2014, Livros de Ontem), Renascer Metade (2016, Livros de Ontem) e É sempre cedo, o que há numa rua deserta (2019, Livros de Ontem; é também autora de uma das fotografias constantes da colectânea Penélope (2014, Livros de Ontem e The Art Boulevard) e de um dos contos da colectânea Mens Sana (2015, Livros de Ontem e Fundação S. João de Deus). É hora vaga num mundo niilista.

​

ana.so.al.costa@gmail.com

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