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Conversações entre lá e aqui: o haikai, poética japonesa 

Schneider (Mateus Nascimento)

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Há muito não me volto para o exercício da escrita nesta forma mais íntima. Devo a vontade de escrever esse texto, inspirado no estilo do haibun (俳文 no original japonês), ao nascer do sol que pude fruir hoje. Minha janela é composta de um tipo de vidro com ondulações, as quais direcionam o olhar para uma experiência curiosa: eu vejo as coisas do outro lado embaçadas e turvas o suficiente para imaginá-las como ondas contínuas. Com o nascer do sol a que me referi não foi diferente. Ao ver a profusão do rosa, me deparei com ondas vermelhas e elas criam em minha cabeça a sensação de ver um mar rosa, cujas tonalidades “crescem” e ganham ainda mais vivacidade com o passar do tempo. A sensação é ímpar se paramos e contemplamos o nascer do sol em detalhes: um círculo que muda de cor sobe do horizonte e vai “ganhando o céu” - com ele vem a luz. Ele se torna curioso justamente por não ser uma ação rotineira: estamos muito mais acostumados ao cliché do sol poente nos filmes, nas músicas e nas literaturas e quando o fazemos, destacamos o romântico, a efemeridade da vida, transitoriedade de uma maneira geral. No caso do nascer do sol a única destas impressões que se sustenta, me parece, é a sensação de transitoriedade. Enfim, qual a relação entre essa vontade súbita de voltar a escrever com o tom da manhã? Acordar cedo para contemplar o nascer do sol não é uma fuga do real, causada por um distúrbio no sono? Não se pode justificar a convocação do efêmero, mas a direção que nos levará a uma possível resposta é a de que uma questão pessoal vagueia a mente e o coração do observador, e ela diz respeito ao futuro. 

 

O sol se renova 

na travessia de nuvens

      amanheceu!

 

coqueiro dança 

quando vê a luz do sol

dentre as nuvens

 

de cima da ponte

baratas e formigas 

ou carros em fila?

 

a música

atravessa o tempo

e me leva junto! 

 

O dragão branco

acompanha a barca

oh! bela nuvem!

 

anda o pardal 

em nuvens passageiras

a primavera vem?

 

perdida no olhar

formiga apareceu

nos óculos

 

manhã quente 

e a mosca quer ser auréola 

sobre a cabeça

 

as plantinhas 

choram enquanto caem 

o podador chegou


 

branco no verde

olho o cogumelo

e vou andando

 

uma pinta no céu

solitária de noite

    à espera do dia

 

a vida parou

saudando o brilho do sol

      pássaros cantam

 

(um haiku bipolar)

 

pássaros cantam 

saudando o brilho do sol

      a vida parou âˆŽ

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​

Edição: Antonio Kerstenetzky

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Mateus Nascimento, Schneider nas horas vagas, é haicaísta, mestrando em história pela UFF e amante das letras do Brasil e do Japão desde 1999.

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mateus_nascimento@id.uff.br

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